sexta-feira, 13 de junho de 2014


 | EDITORIAL

Democracia intramuros

A cúpula da UFSCar precisa entender que o interesse pela unidade local extrapola o círculo acadêmico e não pode ficar confinado aos campi universitários

A proposta de criação de uma universidade federal em Sorocaba a partir do desmembramento do campus local da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) merece ser discutida em todos os seus prós e contras, da forma mais ampla possível e tendo como foco central o que é melhor para Sorocaba e região. Obviamente, a UFSCar deve participar da discussão como interlocutora privilegiada -- mas, ao contrário do que entende sua direção, não compete exclusivamente à universidade decidir um assunto que diz respeito a toda a comunidade regional.

A ideia de criar uma unidade avançada da UFSCar para desmembrá-la oportunamente, dando origem à Universidade Federal de Sorocaba, não é invenção de um grupo de professores insatisfeitos e vereadores. Ela está na gênese da criação do campus. No final da década de 1990, essa foi a fórmula encontrada para possibilitar que a região contasse finalmente com uma universidade pública e gratuita, depois que a comunidade sorocabana, mobilizada em torno do Fórum Permanente pela Universidade Pública, organizado pela Fundação Ubaldino do Amaral, alçou essa prioridade a um patamar de exigência política.

A hipótese de desmembramento já era cogitada pela própria reitoria da universidade desde a criação do campus. A questão que se colocou, desde o princípio, não era se, mas quando isso deveria ocorrer. No entender da UFSCar, o campus sorocabano deveria primeiro tornar-se uma universidade de fato, com cursos em todas as áreas de conhecimento, antes de ser desligado e transformado em instituição autônoma. Isso chegou a ser consignado no Plano Diretor da universidade de 2006, mas posteriormente, como informou o reitor Targino de Araújo Filho, houve uma "nova decisão" pela qual o desmembramento foi descartado.

Comunicado interno enviado aos funcionários do campus Sorocaba pela Coordenadoria de Comunicação Social da UFSCar, no último dia 3, argumenta que a universidade "conta com processos democráticos construídos historicamente e hoje já bastante consolidados para debate e deliberação sobre temas dessa natureza", e enfatiza que, "no âmbito do processo de atualização do Plano de Desenvolvimento Institucional da UFSCar, realizado nos últimos dois anos, a decisão da comunidade universitária se deu na direção exatamente oposta à da separação do Campus Sorocaba".

É compreensível o incômodo causado à administração da UFSCar pela mobilização da Câmara de Sorocaba, que criou uma comissão para analisar o desmembramento, depois de ter sido procurada por servidores da universidade. Mas a cúpula da instituição precisa entender que o interesse pelo assunto extrapola o círculo acadêmico e não pode ficar confinado aos campi universitários. Se o que é bom para a UFSCar não for bom para a população desta parte do Estado, isso precisa ser analisado de forma democrática e ampla, num processo em que a comunidade tenha vez e voz.

A vinda da UFSCar foi extremamente benéfica para a região, mas o futuro do campus local deve ser estudado de dentro para fora e de fora para dentro, com senso de responsabilidade histórica. Os argumentos da reitoria são fortes e devem ser considerados. Mas também há bons argumentos a favor do desmembramento, e o principal deles é a possibilidade de uma integração maior da instituição com a comunidade, em áreas como pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico.

Uma administração autônoma teria, em tese, melhores condições para se engajar no esforço pelo desenvolvimento da nascente Região Metropolitana de Sorocaba, favorecendo parcerias com empresas, entidades civis e poder público. Não há razão plausível para que essa possibilidade deixe de ser debatida por todos os interessados, com o máximo bom senso e sem qualquer bairrismo, a fim de definir o que é mais vantajoso para Sorocaba e região -- ainda que isso, eventualmente, não pareça vantajoso para a UFSCar como um todo.

Notícia publicada na edição de 13/06/14 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 003 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

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